quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Era uma vez...

Atenção! Não é uma história infantil! Apresenta situações envolvendo conflitos psicológico-existenciais e conteúdo impactante.



Não muito longe de lugar algum, num reino bem distante e além do horizonte que despontava depois de uma grande montanha, havia uma grande floresta, em que todos os animais, sejam grandes ou pequenos, viviam tranquilos e felizes. Quer dizer, quase todos, pois entre as copas de um grande carvalho-roble, vivia uma triste coccionella, vulgarmente conhecida como joaninha, a quem todos  chamavam de  Sofia. Mas por que motivo, vocês podem perguntar, que essa pequena e graciosa joaninha era tão triste e solitária? Sofia não nasceu igual às outras joaninhas. Não era vermelhinha e de bolinhas pretinhas como as outras que viviam na floresta. Ela era branquinha como a  neve e não tinha nenhuma bolinha preta. Desde cedo foi desprezada por todos. Seus pais, quase sempre envergonhados, nada fizeram para mudar essa situação. Um dia partiram  para buscar novos suprimentos e nunca mais voltaram. Desse dia em diante, Sofia se fechou ainda mais! Deixou de frequentar a escola da professora Corujinha e evitou conversar com seu único amigo, o besouro Túlio. E desde então, vivia ali, no seu "mundinho" solitário, em sua casinha de folhas secas e de barro, que na verdade já tinha sido a casa de sua madrinha, a borbolete Suzete.

Um dia, depois de uma noite de sono um tanto agitada, Sofia amanheceu cansada de sua vida triste e resolveu que iria em busca da sua felicidade. Pediu pro mosquitinho-carteiro, não sei se falei que na floresta existia Felipe, o mosquitinho-carteiro. Ele que levava os recados e as encomendas, que não fossem muito pesadas, claro. Na hora do aperto, todos recorriam a Felipe. Era o caso agora de Sofia, que precisava falar urgentemente com seu amigo, o besouro Túlio. Por sorte, Felipe estava voando próximo ao grande carvalho quando Sofia o chamou. Logo que soube do recado, Felipe voou até onde Túlio morava, no lado leste da floresta, perto do laguinho azul, junto às mangueiras e figueiras. Não tardou muito e o próprio Túlio estava batendo à porta de Sofia. Assim que a portinha feita de raízes de manjericão se abriu, O besourinho pulou para cima da amiga repleto de saudades!
___ Pensei que nunca mais ia te ver!
___ Como sempre, cheio de exageros, Túlio!

Depois dos beijos e abraços, que quase esmagaram a pobre Sofia, esta começou a falar de seus novos planos. Contou que estava cansada de ficar presa em casa e de fingir que não ouvia os cometários maldosos sobre a sua cor. Contou também que havia tido um sonho na noite anterior. Nesse sonho ela havia ido para além da grande montanha e teria encontrado um mundo encantado, onde todos eram muito felizes e livres. Nesse reino também havia muitas ciccionelas iguais a ela e todos as admiravam por sua beleza e graciosidade.
___ Mas você não pode ir sozinha!É muito perigoso!
Depois de relutar bastante e de muita discussão, Sofia permitiu que Túlio a acompanhasse. Decidiram que sairiam na manhã seguinte, bem cedinho. E assim fizeram. Estava um pouquinho frio, então  os dois saíram bem agasalhadinhos. Usavam uma bela manta que uma velha amiga de Túlio, a aranha Margarida tinha tecido na noite anterior a pedido do amigo. Sofia fechou bem sua casinha e os dois voaram juntos do grande carvalho em direção à grande montanha.

De repente uma grande corrente de ar que vinha da direção contrária os empurrou com toda a força para trás. Por mais que tentassem não conseguiram vencê-la. Já cansados, foram jogados em direção a uma espécie de caverna, que estava meio que escondida em meio a alguns arbustos. Não impuseram resistência. Estavam muito cansados. Deixaram-se levar até a caverna e caíram exaustos no chão.
___ Estou muito cansada, Túlio! Vamos descansar aqui um pouquinho, enquanto essa ventania passa!
___ Mas é tão escura! mas eu também estou exausto! Mas vamos ficar só um pouquinho!
Foram interrompidos por um barulho bem esquisito, que parecia vir do fundo da escuridão.
___ Que foi isso? Disse Túlio assustado.
___ Que barulho medonho! Será que é um monstro?
Túlio até que ia dizer que não existiam monstros, mas era tarde demais! O barulho foi aumentando de um jeito assustador e vinha numa rapidez incrível em direção aos dois amigos. Não adiantava mais fugir! Quando deram conta um grande e assustador morcego já estava em frente aos dois!
___ Ora, ora, o que vejo aqui! Duas apetitosas quitutes pro meu almoço de logo mais!
Tanto Túlio quanto Sofia se estremeceram  de pavor! E agora? Como escapar das garras desse grande morcego? Era o fim de nossos amiguinhos?
___ Vo-você não pode nos comer! Sofia resolveu enfrentar a situação.
___ E por que não, posso saber?
___ Por que eu sou uma joaninha venenosa!
___ O quê? Essa é boa!ha ha ha!
___ Verdade verdadeira! Não está vendo a minha cor?
O grande morcego parecia ter só tamanho. Tinha uma inteligência limitada. Refletiu e refletiu por alguns instantes e então disse:
___ Então vou ficar só com seu amiguinho besouro!
___ Mas ele também está envenenado! Não vê que ele também tem manchinhas brancas? Foi por que nós estávamos brigando por um pouco de néctar de uma bela flor e aí dei-lhe uma mordida passando meu veneno. Creio que ele deve morrer a qualquer momento!
O grande morcego olhou desconfiado para o besouro Túlio. Realmente ele era preto e estava coberto por algumas manchinhas brancas. Será? Pensou coçando levemente a cabeça.Por via das dúvidas era bom não arriscar!
___ Enfim, tá bem! Tá bem! Vou deixar vocês irem!  Mas tem que ser agora! Antes que eu mude de opinião!
Túlio e Sofia não esperaram duas vezes! Resolveram ir embora logo, mesmo estando muito cansados. Como não conseguiam voar, pelo menos por enquanto, tiveram que sair da caverna andando. Saíram e nem sequer, olharam para trás.

Andaram por pelo menos uma hora. E não saíram muito do mesmo lugar. Ainda conseguiam ver a entrada da caverna. E se o grande morcego resolvesse persegui-los novamente? Afinal, ele engoliu aquela história com um pouco de má vontade. Mas se a "ficha" caísse, era bem capaz de vir vingar-se, já que fora ludibriado!
___ Acho que a ventania já passou. Estou mais descansada. Será que não é melhor a gente voltar a voar, Túlio, meu amigo?
___ Você tem razão! Estou com uma sensação estranha que estamos sendo vigiados! Será que o grande morcego percebeu que foi enganado e está só nos espreitando para dá o bote?
Olharam para cima desconfiados. Não viram nada fora do normal. Algumas borboletinhas brincavam felizes sob o olhar cuidadoso da mãe, Pulavam felizes de flor em flor num lindo pé de azaleias vermelhas.Um pouco mais acima, algumas cigarras cantavam animadas no tronco de uma mangueira. Alguns mosquitinhos voavam ao redor das mesmas, desdenhando da sua cantiga, que para eles, era muito engraçada.
___ Lá em cima tudo parece normal! Disse Sofia, procurando tranquilizar o amigo.
___ Aqui embaixo também! Pelo menos é o que parece! Respondeu Túlio, observando um grupo de formigas-cortadeiras que "trabalhavam" levando as folhas de uma pequena samambaia para dentro de uma toca.
Mesmo assim, Túlio continuava com aquela sensação de estar sendo observado. Resolveram se preparar para o voo. Assim sentiriam-se mais seguros. Mas não tiveram tempo nem de se mexerem, pois nesse exato momento, um grande sabiá-coleira apareceu do nada e com seu bico pegou nossos dois amiguinhos, levando-os para sua toca num grande pé de Jatobá. Chegando lá, largou Sofia e Túlio sobre um dos caules, próximo à entrada de sua casa.
___ Que beleza! Já tenho meus presentes de casamento para meu amigo, Bufo, o sapo-cururu do rio, que vai se casar amanhã!
___ Mas o senhor não pode fazer isso! Estamos numa grande missão!
___ Ha, ha ha! Essa é muito boa! Dois besourinhos insignificantes em uma missão!
___ Eu sou uma joaninha!
___  Ha, ha, ha! O que seria essa missão? Salvar uma pequena formiguinha perdida?
___ Não! Estamos a procura da felicidade! 
___ E onde vocês acham que vão encontrá-la, posso saber?
___ Do outro lado da grande montanha!
___ É mesmo? Ha, ha ha! 
E agora? Com certeza esse sabiá-coleira não iria cair em qualquer historiazinha! Parecia muito esperto e ria de tudo! Era bastante prepotente também, Pode ser que por esse lado, Sofia poderia tentar alguma coisa. E foi o que ela fez! Ela começou falando de sua grande inteligência e beleza e de como essas qualidades o tornaram muito famoso em mais de um reino. E de como sua cantoria doce e harmoniosa era apreciada por todos que o conheciam.
___ É verdade mesmo que vocês já ouviram falar de mim no reino de onde vieram? Quer dizer que eu, Tonico Bicudo, sou uma celebridade?
___ Claro que é, Senhor Bicudo! Graças a Deus que o palerma falou seu próprio nome por conta própria! Senão estávamos perdidos!___Pensou Sofia com seus botões!___ Quem é que nunca ouviu falar em Tonico Bicudo?
E a conversa ficou tão animada por alguns minutos que Tonico Bicudo em sua grande vaidade, nem se lembrava mais que tinha pegado os dois amiguinhos a força. Estava com o peito tão cheio de orgulho que nem titubeou quando sofia pediu que os deixassem do outro do outro lado da montanha.
___ Claro, meus amigos! Eu posso ajudá-los a atravessar o grande oceano que existe após a grande montanha!
Sofia e Túlio não sabiam que existia um oceano atrás da grande montanha e ficaram bastante admirados com essa informação. Mas como saberiam? No reino de onde vieram, ninguém que conheciam tinha ido tão longe. Todo mundo do reino se contentava em ter como limite de fronteira a grande montanha. Na verdade tinham medo do que poderia existir do outro lado. Sofia e Túlio nunca ouviram falar de alguém que tivesse ido tão longe!
___ Você nos faria esse grande favor? Perguntou Sofia esperançosa.
___ Ficaria encantado!
Então, Tonico Bicudo pegou nossos amiguinhos de novo com o bico e os levou para o outro lado. O oceano que  sobrevoavam era incrível! A cor da água lá embaixo era escura e fascinante! Sofia e Túlio nunca viram alago tão bonito! Os dois estavam maravilhados! Finalmente chegaram em terra firme. Tonico Bicudo pousou, então, numa pequena figueira, um pouco depois das margens da praia. Foi uma ótima ideia ter conseguido ludibriar  esse sabiá idiota e ainda fazê-lo voar até aqui! Refletiu Sofia. Demoraríamos tanto pra fazer o mesmo caminho com nossas azinhas pequenas. Com certeza não conseguiríamos completar o percurso!
___ Enfim, meus amiguinhos, daqui pra frente vocês devem seguir sozinhos! Nem eu conheço o que tem dentro e depois dessa densa floresta que está aí na nossa frente!
Realmente a visão que eles tinham da nova floresta que despontava depois da praia era assustadora. A floresta era mesmo muito densa. Dentro era tudo escuro. Sentiram um pouco de medo . Mas não tinha como voltar atrás. Tinham que prosseguir.
___  De qualquer forma, obrigado Tonico  Bicudo. Disse Sofia. Espero que você encontre um outro presente de casamento para seu amigo sapo!
___ Vou encontrar! Adeus! Dizendo essas palavras, Tonico Bicudo levantou as asas e saiu voando de volta por cima do grande oceano e de volta para casa. 

Era hora, então, de Sofia e Túlio continuarem sua jornada. Abriram  suas pequenas asinhas e voaram em direção à tão temida floresta. A mata era muito fechada e o sol parecia se esconder sobre as folhas. Já havia passado um bom tempo desde que entraram na floresta e ainda não tinham visto nenhum inseto ou bicho. Por isso, parecendo preocupado, Túlio disse à Sofia:
___ É muito estranho que a gente ainda não tenha visto ninguém até agora! Será que não vive ninguém nessa mata?
___ Verdade que isso também me preocupa! Não acho que isso é normal. Tem alguma coisa muito estranha nessa floresta!
Os dois amiguinhos continuaram ainda por um bom tempo voando entre as árvores e as densas folhas sem que encontrassem ninguém. Também não havia barulho de nada. Mesmo o vento que soprava era muito curto e fraco. Não fazia som algum. Tudo isso preocupavam Sofia e Túlio. A certeza de que alguma coisa estava errada foi confirmada por algo que parecia se mover lentamente pelo chão. De cima dava pra ver algo muito grande e comprido que se movimentava  por debaixo das folhas caídas. Começou-se a ouvir, então, um barulho quase imperceptível de folhas secas se movimentando. Sofia e Túlio resolveram parar de voar. Encostaram-se no tronco de um jequitibá-rosa, que era muito alto e de lá podiam observar a estranha criatura que se movia lá em baixo.
___ Que será isso, Sofia? Será perigoso? Será que pode alcançar a gente aqui em cima?
Sofia não teve tempo de responder pois a tal criatura colocou a sua grande cabeça redonda para fora. Olhou para cima, em direção a onde estava nossos amiguinhos e começou a subir com seu corpo comprido e roliço. Só aí é que Sofia e Túlio perceberem que se tratava de uma grande cobra. Mas não uma cobra comum. Era uma cobra gigante! Sua cabeça era enorme! Nem a junção de 2 grandes árvores conseguiriam escondê-la. O corpo então, nem se fala! O jequitibá-rosa em que estavam deveria ter uns 50 metros, mas mesmo assim, parecia que o corpo da cobra era ainda maior e que a sua outra parte ainda teria ficado no chão, ainda encoberta pelas folhas. Não deu tempo de fugir, a grande cobra com sua enorme boca jogou sua língua ( nem um pouquinho menor) sobre Sofia e Túlio engolindo-os.
 
                                       II

Seria o fim da jornada de nossos amiguinhos? Ainda não! Sofia e Túlio eram muito minúsculos para que a cobra gigante pudesse mastigá-los. Foram engolidos praticamente intáctos!
___ Estamos mortos? Cadê a luz? Só vejo escuro!
___ Calma, Túlio! Ainda estamos vivos! Mas estamos dentro da cobra! E precisamos sair na primeira oportunidade!
Túlio, no início, não queria acreditar, masfoi convencido por Sofia, que mostrou as “ paredes” do corpo da criatura e o porquê deles estarem se movimentando como se estivessem num carrossel. A cobra continuou seu percurso. Parecia que estava indo em direção a algum lugar. Eles precisavam sair antes que se distanciassem demais. Mas como? Porém, é nesses momentos fatídicos, quando tudo parece perdido, que os milagres acontecem, Sofia e Túlio perceberam que não estavam sozinhos. Havia outro bichinho, que assim como eles, não tinha sido mastigado. E era um besouro, assim como Túlio.
___ De onde vocês vieram? Foi perguntando o tal besouro, logo assim que apareceu, praticamente do nada!
___  Do lado de fora, ora essa! Sofia parecia indignada com a pergunta.
Os três conversaram ainda por um bom tempo. Sofia e Túlio gostaram muito de Botãozinho, como o besouro disse que se chamava. Botãozinho disse que já estava na barriga da cobra há mais de 1 dia. Tinha comido muito e como estava muito cansado, aproveitou para dormir! Disse também que morava no Reino Filhos do Sol, que ficava depois da Floresta Negra, onde agora estavam. Ele tinha desobedecido as ordens de seu rei, que não permitia que ninguém entrasse na Floresta Negra. Mas como estava muito entediado...
___ Você é muito corajoso, Botãozinho! Disse Sofia admirada.
Botãozinho  ficou todo orgulhoso com o elogio. Ainda mais por que ele disse que não ficassem preocupados por estarem dentro da barriga da cobra. Eles poderiam sair a hora que quisessem de lá! Ele possuía um pó mágico que teria o poder de levá-los para onde quisessem! Sofia e Túlio logo quiseram saber de onde vinha esse pó mágico. Botãozinho relatou que foi seu primo,Bartolomeu, que tinha conseguido o pó do Pirlimpimpim, como era chamando o tal  pó mágico, de uma boneca de pano que falava, chamada Emília. Sofia e Túlio acharam a história muito esquisita. Quase não acreditaram! Botãozinho, então, perguntou para onde eles queriam ir? Sofia lhe confidenciou que estavam à procura de um reino muito bonito que dizem que existia  depois da Floresta Negra, onde todos viviam tranquilos e felizes!Botãozinho disse que era justamente o reino sobre o qual, tinha acabado de falar e o mesmo  onde ele próprio vivia e disse que podia levá-los imediatamente!
___ Mas será  que esse pó mágico funciona mesmo? Sofia ainda estava em dúvida.
___ Se funciona? Às mil maravilhas! Vamos?
Botãozinho tirou uma pequena bolsinha que estava escondida debaixo de suas asas. Abriu um pequenino buraquimho e jogou um pouco de um pó branquinho para cima das cabeças de Sofia, Túlio e dele mesmo, ao mesmo tempo que pronunciava a todos os pulmões, uma palavra, que ele também disse ser mágica também! ___ “Pirlimpimpim!”
 De repente, eles não estavam mais dentro da cobra gigante! Estavam no meio de um lindo jardim, rodeado de margaridas coloridas, tulipas e flores, de todos os tamanhos e tonalidades. Em cima e por todos os lados, insetos  de várias espécies voavam e tagarelavam felizes! Pássaros de  cores e tamanhos diversos circulavam entre os insetos numa harmonia inacreditável! Também havia uma linda lagoa esverdeada, onde peixes de variados tamanhos e estilos nadavam e pulavam, se misturando entre si, numa espécie de dança feliz! Sofia e Túlio estavam maravilhados com aquele espetáculo da natureza! Nunca tinham visto nada tão bonito! E o que deixou Sofia mais feliz foi ver outras coccinellas de todas as cores e estilos, inclusive, brancas sem pinta, como a própria Sofia! Esta, se sentia feliz e estranhamente tranquila.
___ Aqui, todos nós vivemos em paz e harmonia! Não existem predadores ou cadeia alimentar! Todos somos amigos! Disse Botãozinho cheio de orgulho!
___ Como assim “não existe cadeia alimentar”? Como não existem predadores? Eu não estou entendendo...
Sofia estava atônita! Túlio, no entanto, não parecia surpreso. Botãozinho, no entanto, estava com semblante calmo e demonstrava serenidade.
___ Olhando bem... ___ Continuou Sofia___ acho que acabei de ver um sapo levando uma mosca nas costas e os dois pareciam conversar animadamente e...peraí, agora uma cobra cascavel que acaba de sair de dentro do lagoa se juntou aos dois! Mas isso é impossível!
____ No mundo do qual você veio,  isso realmente seria impossível, mas não “neste mundo”...
___ O que você quer dizer com “neste mundo”? Sofia perguntou curiosa!
___ Olha, minha querida! Não era pra você saber da situação assim, desse jeito tão...rápido! Eu estava encarregado de prepará-lá
___ Situação? Mais uma vez Sofia perguntou curiosa!
___ Minha querida Sofia, minha filha! Quando eu terminar de lhe contar, você compreenderá tudo!
___ Filha? Sofia não podia acreditar, mas não era mais com Botãozinho que ela estava falando! Quem estava na sua frente era seu próprio pai! Ao se virar para Túlio, Sofia teve outra grande surpresa! Túlio não estav mais ali, mas sim, sua mãe, Augusta! Na verdade Sofia estava diante de seus pais, Josué e Augusta!
___ Mas, o que está acontecendo?
___ Você está no Paraíso dos Animais, minha filha!
___ Eu morri, papai? Vocês também morreram?
___ Sim, minha querida!
___ Quando? Ah, claro, a cobra gigante...
___ Não, meu bem! Você morreu de tristeza, enquanto dormia!
___ Mas, então, cadê Túlio, meu amigo? Viemos juntos e passamos por cada uma no caminho...
___ Seu amigo Túlio não te acompanhou, minha querida! Se bem que foi ele que encontrou seu corpinho sem vida no outro dia, pela manhã! Quem estava te acompanhando nessa sua “travessia” era sua mãe, que estava transformada em seu melhor amigo! Tudo isso foi feito para que você pudesse fazer sua “viagem” de forma mais tranquila possível e que pudesse compreender sua verdadeira situação. Foi uma espécie de ritual de passagem. Você não poderia simplesmente aparecer aqui e saber de supetão que tinha morrido! Seria um choque muito grande! Por isso, nós, que somos seus pais e a amamos muito, ficamos encarregados dessa tarefa! Aliás, todos nós temos uma tarefa a cumprir, não só nas nossas vidas, como também aqui, onde estamos!
___ Quando vocês morrreram? Depois que me abandonaram?
___ Não te abandonamos, minha querida! Agora quem falava era D. Augusta, mãe de Sofia ___ Tínhamos saído para buscar suprimentos , como você já sabia. Mas no caminho de volta, um pássaro faminto nos engoliu! Não tivemos tempo de fazer nada! E depois ficamos muito preocupados com você! Só depois de algum tempo que chegamos aqui é que compreendemos o que realmente aconteceu conosco! Sentíamos muito culpados por permitirmos durante muito tempo, que os outros insetos caçoassem de você e de sua cor!  A verdade é que naquele reino em que vivíamos, quase todos eram invejosos e ignorantes! Não sabiam, por exemplo, que existiam espécies variadas de coccionellas, de todas as cores, inclusive branquinhas como você! Na verdade, eles zoavam você, por que você era diferente! É isso também não era motivo pra você ficar triste! Também fomos culpados por não agirmos e por ficarmos calados. Deveríamos ter apoiado você! Deveríamos ter mostrado o quanto você é especial e o quanto te amávamos!
___ Eu não queria que tudo terminasse assim! Mas eu fiquei muito triste e sozinha quando vocês não voltaram! Pensei que tinham me abandonado! 
___ Tudo isso, nós compreendemos, minha filha!
___ E o Túlio, meu melhor amigo, eu tenho que dá um jeito de falar pra ele não ficar triste com minha partida! Ele vai sofrer! Minha madrinha também! Ela ficou de me visitar em alguns dias. Mamãe, temos que avisá-los que estamos bem!
___ Isso não será possível, minha querida! Lembra daquela história que eu te contava quando você era pequenininha?
___ A história que tinha num grande livro preto, que você ouviu de uma mãe humana que estava lendo para sua filhinha? Você estava na janela do quarto da menina e nunca esqueceu essa história!
___ Sim, a história do Rico e Lázaro. Depois que os dois morreram e o Rico estava sofrendo no lado tenebroso, viu Lázaro do outro lado com um tal de Abraão, pediu para que pudesse ir até eles, para que Lázaro, pudesse molhar sua língua, já que estava com sede. Porém, Abraão disse que havia um grande abismo entre os dois mundos e seria impossível um atravessar de um lado para o outro, mesmo que quisessem! Pois aqui é a mesma coisa, minha querida! Não podemos mandar nenhum recado para quem está do outro lado! Temos que confiar que Túlio e sua madrinha compreendam por conta própria o grande ministério da vida! E que consigam superar da melhor maneira possível todos os problemas que a vida lhes apresentar!
___ Coisa que eu não consegui fazer, mamãe! Eu deveria ter saído da cama! Eu deveria ter deixado meu amigo Túlio conversar comigo! Todo dia ele ia bater na minha porta para falar comigo e eu não lhe dava atenção! Pedia pra ele ir embora! Eu tinha que ter reagido! Eu deveria não ter abaixado minha cabeça toda vez que falavam da minha cor ou por que eu não tinha bolinhas pretas, como as outras coccionellas! Eu deveria ter tido orgulho de ser diferente! Levantado a minha cabeça e ter seguido em frente! Mas fui muito fraca e covarde! Me deixei levar pelo que os outros insetos diziam! E acabei desperdiçando minha vida! Bem que poderia ser verdade a história do pó do Pirlimpimpim! Agora que me lembro...
___ Sim, essa história foi outra que ouvi da boca da mãe daquela menininha! Eu adorava ir todo dia naquela janela, só para ouvir aquelas histórias! Mas quem disse para você que tudo terminou? Apenas uma etapa teve fim! Aqui o tempo é visto de uma outra forma! Você vai começar agora, uma nova fase da sua viagem! Venha conosco, minha filha, você ainda tem muita coisa a conhecer...
Sofia pediu pra ficar um pouco sozinha. Seus pais então permitiram. Era realmente muita coisa para sua cabecinha! Voaram em direção ao horizonte onde vários outros insetos e pássaros também seguiam. Sofia sentou-se numa pequena folha de jabuticaba que estava caída sobre a relva e começou a penar no seu amigo Túlio. “Espero que você me perdoe, meu grande amigo! Como me arrependo de não ter permitido que você me ajudasse! Que você não fique triste por eu ter partido! Quero muito que você encontre um outro amigo e que vocês possam fazer muitas coisas juntos! Espero que também não liguem muito para o que os outros vão pensar ou dizer! Vivam a vida do jeito que acharem melhor! Não prejudiquem os outros, também! A vida é tão boa e também tão curta!  Não dá pra gente ficar  com mesquinharias! A felicidade não está em lugar algum! Só agora percebi que ela estava sempre comigo! O tempo todo, eu carreguei a felicidade dentro do meu coração e não sabia! Ah. Se eu tivesse sabido disso antes! Sejam felizes agora, enquanto ainda dá tempo! Seja feliz, meu amigo Túlio!
E Sofia levantou-se e também voou com firmeza, em direção ao horizonte! Pensou por um momento em olhar para trás, mas logo desistiu! O que passou, passou! Não tinha mais como consertar! Quem sabe, seu amigo Túlio não teria uma sorte melhor? Ele poderia ser muito feliz lá mesmo onde ele está! Será que ele olhará para seu coração? Pena que só agora eu olhei, mas tenho certeza de que com o meu querido Túlio será diferente! Ele sempre foi tão curioso! E sentindo-se feliz, Sofia continuou voando, até desaparecer por entre algumas nuvens no céu.


                                 Fim

Ofereço essa história a meu grande amigo Gustavo Ximenes, que um dia, numa conversa calorosa sobre assuntos filosóficos e também religiosos, discutimos um pouco sobre a parábola bíblica O Rico e Lázaro. Naquele momento, dicidi que um dia escreveria uma história em que, de certa forma eu pudesse relacioná-la com essa parábola. Aí está, a história foi escrita. Espero que tenham gostado! Mas mesmo que não, fica pelo menos, a reflexão!

             Carlos Oliveira 
























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